Prometi que escreveria sempre que fosse fazer uma visita no hospital onde sou voluntária, mas dessa vez demorei um pouco pra conseguir colocar em palavras a experiência que tive no último dia 30.
Foi um dia super cansativo no trabalho, eu estava responsável por um evento que a custo de bastante esforço e uma noite anterior mal dormida, foi um sucesso. Mas por conta disso saí do trabalho as 18h sendo que precisava estar no hospital as 19h. Parece tempo suficiente, mas não quando se mora na capital do transito no país – São Paulo. Fui correndo pra casa, arrumei minhas coisas e fui pro hospital mesmo um tanto exausta.
Chegando lá o Paulo (que é a minha dupla no hospital) estava com outra doutora voluntária que atende com ele outros dias da semana e que nesse dia iria atender com nós dois. Depois de atender nos andares de Clínica cirúrgica, transplante de rim e de fígado ficamos num impasse de ir para a UTI ou para a Oncologia.
A outra doutora voluntária queria seguir o plano tradicional de ir para a Oncologia, mas no último atendimento que eu o Paulo fizemos…prometemos para a responsável pela UTI que iríamos passar lá todo mês (você pode ler sobre esse episódio clicando aqui), e então seguimos para a UTI.
Chegando lá os enfermeiros da UTI se lembraram de nós dois e nos deram as instruções de quais leitos visitar, de oito leitos somente dois não estavam encubados e podiam interagir. Mas desses dois somente um estava acordado e fomos conversar com ele. Me senti parte do seriado Grey’s anatomy, fazia tempo que não ia pra UTI e que via tantos fios e máquinas ligados a uma pessoa. O homem que estava nesse leito foi muito gentil, nos agradeceu muito pela visita, conversamos com ele um pouco e saímos.
Esse havia sido somente um lado da UTI, quando olhamos para ir para o outro lado a doutora voluntária que estava com a gente insistiu para irmos pra Oncologia e não seguir para a UTI. Não entendi essa reação até porque ela era super legal, e na hora eu fiquei um pouco chateada, porque eu realmente queria cumprir 100% da minha promessa e visitar a UTI. Mas depois pensei na causa maior de estarmos lá e que talvez ela tivesse suas razões pessoais para não querer estar ali.
Seguimos para a Oncologia. A oncologia é famosa por ter pacientes que estão la a bastante tempo, ou indo e voltando, ou sempre internados lá. Por conta disso eles são bem próximos uns dos outros, e ao chegarmos lá achamos estranho não encontrar nenhum paciente na recepção assistindo TV ou jogando cartas.
Quando entramos num quarto, depois de conversar com o pacientes sempre dizemos “vim aqui pra dizer que estou na torcida pra que dê tudo certo”, “tenha uma boa semana”, “seja paciente”..e coisas do tipo. Mas essa não é uma coisa simples de dizer pra pacientes que já estão la a um bom tempo e que já estão acostumados com isso. Entrei em um quarto na Oncologia e disse por impulso “estou na torcida”, e vi o paciente me agradecendo com cara de “aham, claro, obrigado”. Isso me fez sentir como se fosse uma criança na escola, que disse a coisa errada no grupo que queria se enturmar. Saí do quarto, fechei os olhos e balancei a cabeça, só conseguia pensar no quão idiota havia sido.
Seguimos para o corredor do outro lado desse andar, lá encontramos no final do corredor três pacientes parados na porta de um quarto, um deles com o soro na mão e outro segurando uma bíblia. Falamos que finalmente os encontramos, já que não estavam na recepção como de costume. Eles com aqueles mesmos olhares das pessoas no outro quarto que foram educadas mas que no fundo sabiam que não entenderíamos pelo que estavam passando, nos disseram que estavam ali para dar força a uma jovem que estava indo fazer um procedimento e que havia se entregado a doença, ela estava com a boca cortada por tentar tirar a própria vida.
O Paulo conversou com os três, eu disse algumas palavras, mas naquele momento congelei. Fiquei com muita vontade de chorar, coisa que aprendemos a tentar lidar durante o treinamento porquê se choramos só pioramos a situação, o paciente vai pensar que o estado dele esta tão ruim que fez até um palhaço chorar. Não rola né?
A outra doutora voluntária disse algo a um dos pacientes que me marcou, ela disse que quando a situação esta difícil você só precisa olhar para cima e confiar. E ao pensar nisso me fez pensar que por mais que você não seja religioso, eu também não sou a pessoa mais religiosa que existe, a fé faz uma diferença enorme pra te ajudar a passar por momentos assim. É o que mais vejo nos quartos. E não posso dizer que foi fé o que passou com a menina que se entregou, acho que não vou encontrar uma resposta pra isso.
No final apesar de não ter ido até o fim na UTI, tive uma nova experiência incrível na oncologia. Que sempre me faz pensar que por mais que seja repetitivo o que vou dizer, mais uma vez afirmo, que reclamamos demais e agradecemos de menos.

Nós três